Artigo do musical Avenida Q

O “Avenida Q” trata, sobretudo, da vida em sociedade e, portanto, das diversas relações humanas extremamente pitorescas. Sendo que, nesse musical da Broadway, o mundo é composto pela interação entre pessoas e bonecos, que vivem cenas inteligentes e repletas de humor politicamente incorreto. Abordando temáticas bem distantes do universo infantil como pornografia na internet, bebidas, questões sexuais, discriminação racial, etc., a peça não é, portanto, recomendada para crianças. Em dados momentos, há, inclusive, cenas de sexo explícito (entre bonecos, é claro!).
As cortinas abertas antes mesmo do início do espetáculo promovem no público uma enorme expectativa, visto que o cenário é bonito, grandioso e bastante detalhado. Quando o musical começa, o elenco muito bem afinado (com uma exímia interpretação vocal e expressões corporais certeiras) consegue transmitir vida às marionetes de uma maneira inédita. A bela iluminação, por sua vez, através de uma vasta variedade de cores e estilos, facilita com que o espectador mantenha o foco naquilo que é desejado.
As duas horas e meia de peça passam num piscar de olhos tamanha a leveza e a irreverência da história e das músicas que foram muito bem adaptadas ao contexto brasileiro. Por isso, são raros os diálogos em que o texto apresenta-se distante da nossa realidade.
O enredo é sobre o rumo da vida do jovem Princeton, recém-formado e sem emprego, que, na busca por um aluguel barato, acaba encontrando moradia na Avenida Q. Lá moram o Rod e o Nick, os quais compartilham um quarto e vivem numa dinâmica acerca da sexualidade de Rod. Existe ainda a bela mosntrinha Kate, que é professora primária, e um louco casal formado por uma imigrante, a Japaneusa, e um comediante desempregado, o Brain. Não tem como esquecer também do hilário monstro Trekkie, dos bonitinhos ursinhos do mal, do atual zelador e exfamoso ator mirim Gary Coleman e, principalmente, da majestosa Lucy de Vassa, uma cantora promíscua que diz: “Culpa é para amadores!”
Pra quem quer dar boas risadas assistindo a uma comédia diferente dos saturados “stand ups comedies”, o musical Avenida Q é a escolha correta. Vale a pena conferir e aprender um pouco mais sobre a vida com esses bonecos divertidíssimos.

Epifania

Eu entrei na igreja, sentei no banco, olhei para o púpito e, então, eu era criança novamente:

"Não! Não construa sua casa na areia
Não! Não construa na beira do mar
Mesmo que pareça chique
È impossível que ela fique
A tempestade a vai derrubar

A rocha é o lugar de construir
Tem um alicerce forte
Que não vai cair
As tempestades vão e vem
Mas a paz de Cristo tu tens"


Voltei. Sentado, descobri que não construi nem casa nem nada.

Receita

Dizem que no fim tudo sempre dá certo. O fato é que no fim todos morrem. A morte é, pois, a maior garantia do sucesso.

Confessionário? Só no Big Brother.

Pode parecer insano ou, até mesmo, profano, mas religião agora tem tudo a ver com ciência. Desde que o Vaticano criou em 2000 o Gli scienziati della fede -comunidade científica formada por seminaristas católicos com o objetivo de desenvolver experimentos relacionados aos feitos da fé- o mundo encontra-se diante de uma iminente reviravolta espiritual. E, ao que parece, esse momento chegou.
A assessoria de imprensa do Estado do Vaticano acaba de revelar a mais nova invenção tecnológica mundial: o depuratore. Esse pequeno aparelho parecido com um celular passaria despercebido em meio aos tantos outros eletrônicos digitais já inventados se não tivesse a exótica função de ouvir as confissões dos fieis e atribuir-lhes, em seguida, as penitências e os conselhos necessários. Através de um sistema bem similar aos utilizados nas modernas empresas de atendimento ao consumidor, a máquina é programada para identificar por intermédio da fala do usuário os pecados cometidos e, então, responder ao mesmo da maneira mais adequada de acordo com os princípios do catolicismo. A recente criação do Gli scienziati della fede trata-se, na verdade, da substituição do tradicional confessionário por um instrumento portátil que cabe no bolso e utiliza a luz solar como fonte de energia.
Em uma entrevista coletiva, o padre e cientista italiano Giuseppe Trajani, responsável pela junta inventora desse equipamento, declarou que o advento do depuratore pode ser igualado em relevância para o Cristianismo ao famoso episódio ocorrido no Mar Vermelho. Ele explicou que a portabilidade característica desse acessório religioso facilita aos milhões de católicos espalhados pelo globo o exercício da confissão, contribuindo, assim, para o aumento na prática desse dogma tão importante dentro da fé católica.
Vale destacar que atribuir a uma máquina a responsabilidade de fazer julgamentos e manter segredo soa bastante conveniente numa época na qual ouvimos, com frequência, acusações de pedofilia e petições de reconhecimento de paternidade a padres em diversas regiões do planeta. Por isso, já há quem diga que o depuratore nada mais é senão uma manobra do Vaticano com o intuito de não perder seus seguidores diante de tantos escândalos ocasionados pela falibilidade do clero.
No momento, o aparelho só está disponível para os falantes do inglês, espanhol ou italiano. Contudo, até dezembro deste ano, o Vaticano promete produzir cerca de dezessete milhões de depuratores, funcionando em vinte e três idiomas diferentes.
Frente a tudo isso, será que poderíamos dizer que Fritz Lang no começo do século passado, involuntariamente, previra o destino da humanidade no filme Metrópolis? Estaríamos todos nós, num futuro próximo, subjugados a uma deusa eletrônica que nos exigirá servidão eterna? Fica, portanto, em aberto as inúmeras previsões as quais só o tempo poderá revelar.

Cheirinho doce

Sabe quando você sente cólica, sua frio, empalidece e perde a voluntariedade nas fibras dos membros, porquanto há no seu reto uma farta quantidade de bolo fecal à iminência de ser despejado do seu organismo pela cavidade anal?
Então, assim estou eu. Uma merda suculenta está na portinhola pronta pra sair. Continuo, contudo, quase que inutilmente me concentrando, contraindo, contorcendo... Morro de medo de ficar borrado! Esse cocô fede mais do que todos os outros já defecados. Caso sintam o cheiro...

AMANTE COM DIFERENCIAL

Sou moreno baixo, nem tão bonito ou sensual
Quero que você seja a solução do meu problema
Sou grosso, de baixo nível social

Inteligente e a sua meia disposição
Quero um relacionamento íntimo e discreto
Realizando todo o meu sonho sexual

Pro melhor tipo de transação
Com compromisso emocional e financeiro
O endereço mantido em segredo
Basta o celular pra comunicação

Amor sem preconceito
Sigilo parcial, sexo animal
Amante com diferencial

Amor sem preconceito
Sigilo parcial, sexo animal
Amante com diferencial
Amante com diferencial

Ei, você!

Estou a sua procura.
Deixei tudo muito bem subentendido, mas você parece que não entendeu.
Fico, então, tão sozinho, perdido em devaneios...
Ponho sua cabeça em meu peito, eu deitado no seu leito macio, quente e apertado.
Seu cheiro: Melhor que tudo! Prefiro, ainda mais, como se isto fosse possível, quando ele se mistura ao meu.
E o lóbulo da sua orelha, que de nada serve senão pra sentir minha língua, meu sussurro safado de provocação... como pode resistir?
Venha logo. Venha. Já não suporto mais esperar, não saber onde você está...
Só quero você. E, nada mais.

CABE A NÓS URINAR

Sentado, quieto, observando ora o castelo de areia, ora a imensidão do mar negro difundido com o horizonte, ouvi uns cochichos que me despertaram a atenção naquela noite de Avenida Atlântica engarrafada. Nem em sonho imaginara presenciar uma cena daquelas. E quem pode na vida prever alguma coisa?
Era do tipo “figurão”. Trajava uma roupa de estilo alternativo, uma boina cinza de crochê e os olhos estavam escondidos por trás dos óculos escuros de modelo Uruguaiana. Falava alto, com poucos pudores e tinha um amigo (mero coadjuvante frente ao brilho inovador que reluzia do rapaz em questão).
“Motô, abre a porta! É por favor...”
O “não”, assim dito simples e conciso, nunca foi resposta persuasiva para qualquer homem que, verdadeiramente, anseia algo emergencial. Todavia, o motorista, o cobrador, o senhor responsável pela logística do transporte metroviário carioca... todos estes desconhecem essa teoria. Firmaram no “não”. E o jovem, cada vez mais nervoso e contorcido, resolveu inovar.
“Se não me deixar sair, vai ser aqui mesmo.” Alertou o mancebo estiloso já se deslocando a um local estratégico perto da porta do veículo. Foi quando, então, o cobrador exaltou-se, ameaçando, inclusive, o rapaz de prisão. Contudo, este o ignorou.“Licença! Licencinha... Não quero envergonhar ninguém. Por favor, senhoras, fechem os olhos. É só uma questão de necessidade.” E urinou.
Na estação terminal, uns seguranças previamente avisados por um dos funcionários do metrô que estavam trabalhando no ônibus abordaram o ilustre cidadão de modo enérgico, conduzindo-o, em seguida, a uma sala especial. Com o fim da parte pública (lê-se visível a todos) dessa história, pus-me a fazer uma breve análise de toda a situação.
A princípio, questionei a mim mesmo se o homem estava errado com aquela atitude. Tão logo, conclui que não. Não mesmo! Senhores, o preço pago pelo ingresso dos transportes públicos em nossa cidade é inadmissível. O valor cobrado deveria nos garantir não só banheiros, mas também reservados bastante perfumados e com música clássica de fundo sonoro. Entretanto, como é de conhecimento geral, o descaso das autoridades para com a triste realidade dos milhares de estudantes, trabalhadores e aposentados, os quais utilizam todos os dias o ineficiente sistema de transportes fluminense, é responsável pela precariedade da logística populacional de nossa cidade a qual, por sua vez, gera uma série de outros problemas urbanos.
Com as viagens diárias “casa-faculdade-casa” tenho escutado diversas reclamações e percebido que as mesmas possuem total fundamento. Só na minha primeira semana de aula, enfrentei um atraso de quase cinquenta minutos na Estação Terminal Dom Pedro II, um trem que incendiou enquanto circulava, carros do metrô absurdamente lotados e com um sistema de refrigeração de ar insuficiente, engarrafamentos intermináveis e assisti, ainda, ao excelentíssimo prefeito falar sobre a sua política de ordenar o Rio.
O famoso “seria cômico se não fosse trágico” do brilhante Nelson Rodrigues ilustra categoricamente a posição da prefeitura carioca frente ao seu mais novo bordão “Choque de ordem”. Isso porque, remover trabalhadores informais, mendigos e mesas de bares das ruas e praças da cidade não combate às raízes da macrocefalia urbana a qual temos nos submetido. Os problemas do Rio de Janeiro são muito sérios e jamais serão resolvidos com medidas elitistas de embelezamento social. Se o governo estivesse verdadeiramente empenhado na geração de empregos, no desenvolvimento de uma infra-estrutura de transportes eficaz e a um preço acessível, na promoção de uma educação de base digna, no tratamento adequado da rede hospitalar... enfim, em todos aqueles clichês, que qualquer pessoa com um mínimo de consciência tem noção, a ordem se daria de forma gradual e permanente.
A nós, resta, pois, o direito de protestar. Aquele homem que não se conteve diante de uma resposta incapaz de solucionar o seu problema deve ser tomado como exemplo. Excretemos toda a nossa uréia! É preciso mostrar aos governantes que mesmo sofrendo tantas mazelas diárias, ainda estamos vivos e plenamente aptos para cobrar por nossos direitos.

SERÁ?

Estou espantosamente surpreso. O mais ogro dos seres mostrou-se capaz de formular uma sentença dotada de grande sabedoria.
Estaria guardada com um desses a resposta-solução de todas a minhas indagações?

O senhor e o vendedor

- Lá vem ele...
- Tum! Tem um velho dormindo e babando. Tum! Tem criança de colo chorando. Tum! Tem moça bonita estudando. Tum! Tem dez mentos por apenas um real.
- Isso é um absurdo! Um disparate...
- Tum! Tem gente reclamando. Tum! Tem o trem quente sempre esquentando. Tum! Tem o maquinista as estações anunciando. Tum! Tem dez chicletes sortidos da mentos por apenas um real.
- Deverias vender laranja! Doce é prejudicial à saúde. Dá diabetes, gastrite, ataca o fígado, enche as crianças de cáries. E, laranja não! Laranja é a fruta mais refrescante, faz bem ao organismo. Ela revigora o intestino, combate os radicais livres...
- Tum! Ele quer laranja ninja. Tum! Mas eu não tenho nem a lima. Tum! Laranja é alimento perecível, senhor. Ela estraga muito fácil com esse calor... Tum!
- Eu prefiro uma laranja quente a uma goma que agarra na dentadura.
- Tum! O senhor assumiu que não tem mais dente. Tum! Daqui a pouco vai botar a culpa no presidente. Tum! Eu vim aqui pra vender mentos e é dez por um real.
- Brizola?! Aquilo era um velho safado! Ainda diziam que ele gostava das criancinhas... Povo burro.
- Tum! “Lá, lá, lá Brizola é um boiola!” Tum! Tem gente contente sorrindo. Tum! Tem gente que ainda está dormindo. Tum! A moça bonita até parou de estudar. Tum! Dez chicletes sortidos da mentos por apenas um real.
E o maquinista:
- Próxima estação terminal Central do Brasil. Desembarquem por ambos os lados.
- Tum!

Descobriram meu segredo

Tal como os filmes de Hollyood os quais, dentre os milhares, apresentam somente umas dez histórias distintas, os meus escritos, no fundo bem profundo, são todos semelhantes. Entretanto, não me envergonho disso, porquanto assim sou eu: um misto exagerado de sentimentos e ações responsáveis por abrigar em seu âmago um singelo menino falante que mal aprendeu a andar e não tem, pois, a pretensão de impressionar.

Um sonho americano

Ele era um pobre menino rico e sabia bem disso. Há anos deixara o conforto de sua suntuosa casa graças aos desentendimentos que vinha tendo com sua progenitora, a qual, segundo ele, nunca o amou nem o aceitou de fato. Ao sair, levara consigo uns trocados que pouco duraram e logo, então, teve de pedir esmolas.
Certa vez, em frente ao consulado americano, o menino lá estava estirado ao chão rogando aos pedestres o pão daquele dia. Foi aí, quando de repente ele viu um homem e duas mulheres, todos bem arrumados, conversando em um português muito mal falado devido ao sotaque estrangeiro, adentrando ao prédio do consulado. Nesse instante, como num momento de epifania, o garoto decidiu mudar de vida. A cena que assistira lhe comovera ao ponto dele querer voltar pra casa. E assim o fez.
Chegando ao lar, reconciliou-se com a mãe. Ainda que não por sinceridade, pediu desculpas. Fizeram as pazes e o garoto voltou a estudar. Era o inglês a sua matéria preferia. Tal preferência justificava-se plenamente devido aos planos ocultos que ele tinha.
Passado um ano, tamanho fora seu empenho, ele já estava fluente na língua universal do ocidente. Retornou, pois, ao consulado a fim de realizar seu verdadeiro objetivo, o qual, a cada dia, tornava-se um sonho mais forte. Pediu licença. Dessa vez, cheiroso e bem vestido, ele pode entrar. Procurou a miúdo o homem que vira fazia um ano e logo o encontrou sentado no fundo da sala. Sem pudor, o menino o chamou. Curioso, o rapaz foi prontamente atendê-lo. Em poucas palavras, o garoto tirou do bolso uma carta e entregou ao americano. Nos escritos, dentre outras palavras a esmo, havia um convite para jantar.

MACONHA

- Nossa! Você não fuma?
- Não...
- Bem-vindo ao clube dos socialmente excluídos.

BELEZA IDEALIZADA

Existem pessoas dotadas de uma beleza indescritível. São bonitas mesmo! Meu sonho, desde a meninice, fora encontrar uma mulher assim pra mim. Não que, ainda enquanto moleque, eu já sofresse de devaneios sexuais, mas é que a beleza física humana alheia sempre me trouxe vigor, entusiasmo... uma excitação, a qual é distinta da provocada pela libido e que eu jamais saberia explicar claramente. Por isso, em minhas preces infantis, rogava a Deus, solicitando uma linda fêmea quando chegasse à madura idade para pendurá-la na parede do meu quarto a fim de admirá-la deitado sozinho na cama por todas as noites. Contudo, o bom Senhor me presenteou com a Jorilma.
Estava num bar e o sol se pusera tinha pouco quando aquela morena chegou reclamando de dor nos pés. Sem pudores, contou sobre o seu joanete, dizendo que ele muito a irritava. Tirou os sapatos, lançou-os num canto e foi logo dançar. Igual a qualquer boa mulata, ela sambava como ninguém. Remexia as cadeiras e jogava os braços ao ar com uma delicadeza toda hora interrompida frente à imobilidade de suas madeixas, as quais se assemelhavam bastante a palhas de vassoura velha.
Não bebo, ou melhor, nunca bebi. Desse modo, não podia culpar a cerveja por ter aceitado o convite daquela mulher para bailar uns passos de forró. A música tocava, dançávamos e conversávamos. Entre os um-pra-cá-e-dois-pra-lá, ela me disse sua graça: Jorilma! Levei um tempo para estar convicto de que ouvira certo. Afinal, não é sempre que se encontra alguém com uma palavra designativa de identidade tão feia. E, por estar com o rosto colado nos seus fiapos ressecados, não hesitei em perguntar o porquê daquele nome. Ela explicou que fora idéia de uma avó caduca a qual, inclusive, morrera antes do seu nascimento. A enunciação era, de acordo com a velha, uma forma de homenagear o Jorge e a Ilma, pais da menina-mulher em questão.
Mal a música acabara, eu, gentilmente, disse que estava cansado e que iria me sentar. Mal acabara de falar, ela contou que me faria companhia. Dessa vez, não tive como hesitar.
Sentamos à mesa e, só então, percebi o seu decote acentuado. Aliás, reparei além. Jorilma tinha um peito maior que o outro. Comenta-se que isso é comum entre as mulheres, entretanto não posso aceitar como normal uma deformidade daquele porte. Na minha inocente visão, cabiam dois e meio do peito menor em um do maior. Sem saber como me expressar diante da situação, eu lhe ofereci uns amendoins os quais já estavam sobre a mesa,visto que se trata do meu salgadinho preferido, e ela sorriu.
Aquilo não foi nada encantador. Os dentes acavalados pareciam querer saltar da boca para me devorar. Como se isso não bastasse, ela arregaçou a mandíbula e apontou com o indicador alguma coisa no fundo daquela boca escura que nem quis ver. Jorilma alegou não comer amendoins pro trauma, pois, outrora , ela quebrara um dente comendo um e o osso despedaçado, por sua vez, descera goela abaixo indo parar no pulmão. Com náuseas, pedi pra mudar de assunto. Jorilma, contudo, pediu pedras de gelo.
Ela esfregava o gelo por todo o corpo alegando sentir calores incontroláveis. Jorilma era quente, era o tipo da mulher que ardia em chamas. Confesso: não resisti e me lancei naquela fornalha.
Passado uns meses, nos casamos. Passaram-se anos e Jorilma não emprenhava. Levei minha mulher ao médico e o doutor concluiu que ela era infértil. Na minha inocente cabeça, entendi sua secura por causa do fogo que a consumia internamente. Optamos pela adoção.
No orfanato, escolhemos uma menina linda, detentora de uma beleza sem precedentes, para ser nossa filha. A garota tinha apenas três anos e adorava biscoitos de maisena. Por isso, Jorilma decidiu batizá-la de Miracema.
Miracema crescia e Jorilma envelhecia. Até que um dia, apresentando sinais de esclerose, Jorilma decidiu superar seu grande trauma e foi comer escondido um pacote inteiro dos meus adoráveis amendoins. Como se fosse uma sina, ela quebrou a dentadura, engoliu partes do objeto que foram, por sua vez, direto pro pulmão. Por estar velha, não aguentou e morreu.
Contudo, o bom Senhor me presenteou com a Miracema.
Depois de viúvo e Miracema já moça, dei por mim que a idealização de criança estava a se cumprir. Minha filha era a mulher dos meus sonhos! Pendurei-a na parede do quarto e agora a admiro deitado sozinho na cama por todas as noites.

A Coca-cola que se cuide...

A historiografia revela que, por um longo período, a Índia recebeu destaque de âmbito mundial devido aos produtos oriundos dessa região. O nascimento e os primeiros passos do Brasil, inclusive, se dão como fator coadjuvante da busca por um bom caminho que conduzisse à extraordinária terra das sedas e das especiarias. Em nossos dias, tais produtos perderam seu valor primitivo; contudo, a Índia mantém-se eminente no tocante às suas especialidades.
A cidade de Haridwar, onde se encontra a maior concentração de Rashtriya Swayamsevak Sangh (um dos mais notórios grupos culturais hindus), tem chamado a atenção de todo o planeta em virtude da recente invenção dos RSS: o refrigerante Gau Jal, que em português quer dizer água de vaca.
O nome excêntrico da bebida é, na verdade, pouco criativo. Isto por que o refrigerante trata-se de uma mistura química feita basicamente com urina de vaca e conservantes. A quente bebida servida estupidamente gelada é, de acordo com os seus inventores, uma alternativa mais refrescante, pura e saudável aos tradicionais refrigerantes à base de cola que dominam o mercado. Segundo Om Prakash, um dos principais líderes religiosos do RSS e representante comercial da empresa responsável pela produção do refrigerante em questão, o Gau Jal chegará às prateleiras ocidentais em pouco tempo e, tão logo, protagonizará as refeições de milhões de famílias desse canto do globo.
Especialistas de Oxford comentaram sobre a novidade através de uma entrevista a um famoso tablóide inglês. Eles alegaram que a urina dos bovinos é altamente nutritiva e apresenta, inclusive, propriedades curativas a problemas como, por exemplo, os relacionados a distúrbios gastro-intestinais. Além disso, eles brincaram contando uma curiosidade a qual, certamente, interessa bastante aos fãs do uso de métodos afrodisíacos: as vacas são quadrúpedes detentoras da habilidade de subir escadas, mas são incapazes de descê-las.
Por mais que esse fato pareça totalmente inédito quanto ao quesito “nojeira”, vale ressaltar que se acredita que a maior rede de fast-foods dos Estados Unidos utilizou anelídeos terrestres (vulgarmente conhecidos por minhocas) como base no preparo da carne dos hambúrgueres e nem por isso teve seu sucesso ameaçado.

Silêncio!

É que eu prefiro ficar bem quieto a ter que partilhar minhas angústias com os outros.

Luz, câmera e armação!

Vamos fazer como na TV
Está tudo combinado
E por ter sido ensaiado
O final é lindo de viver

A noite em que fiquei sozinho sem ter com quem conversar.

Era noite (como o título já bem disse), uns estavam pelas ruas, outros já pelas camas dormindo e havia ainda aqueles que, certamente, estavam pelas camas das ruas bem acordados. Eu, em casa, sem ter com quem conversar, resolvi me conhecer.
Tomei um banho gostoso (daqueles que duram horas), passei meu perfume mais cheiroso, pus uma roupa nova e fui passear. A distância era pouca e sequer peguei engarrafamento. Tudo isso conspirou para o meu bom humor quando cheguei à sala. O ambiente, não sei ao certo o porquê, era bastante aconchegante e familiar. Decidi pedir uma cerveja bem gelada, visto que estava quente. Contudo, o atendimento no local era self-service e, por isso, eu mesmo tive que ir à cozinha pegá-la. Bebi uma, duas, três e parei por aí.
Lá pelas tantas comecei um diálogo, o qual tem na sua existência a real inspiração para esse texto. Primeiro, me cumprimentei sorridente, exaurindo simpatia por meio desse meu sorriso encantador que de cara me conquistou. Em seguida, perguntei meu nome, se eu ia sempre ali... enfim, aqueles clichês típicos de quem está a fim de alguém, mas não quer ser demasiadamente objetivo pra não causar espanto. Conversa vai, conversa vem... descobri que tinha muita afinidade comigo mesmo. Incrível! Gostava das mesmas coisas, tinhas os mesmos interesses e opiniões... Confesso: fiquei fascinado com o meu papo!
Já tinha falado demais e, portanto, havia chegado a grande hora da noite. Sem hesitar, num momento de silêncio, avancei o passo e tasquei-me um beijo. Ele durou pouco, serviu apenas pra dar início ao que estava por vir. Não tardou e me beijei novamente. Em movimentos sincronizados, eu me pegava e sentia calores sem precedentes. Um fogo me consumia... era incontrolável! Convidei-me para ir ao quarto, onde eu poderia ficar ainda mais à vontade, sendo que não queria perder aquele momento único de prazer e, em virtude disso, não conseguia nem mover meus pés em tom de deslocamento. Permaneci por ali. Tirei a blusa. Desabotoei a calça. Lancei meu tênis longe. Estava preparado para receber meu corpo e ter, então, a melhor noite da minha vida.
Entretanto, a iminência do clímax, meu pai apareceu e esbravejou. Com voz de condenação, repudiou a minha atitude com uma feracidade apavorante. Tive que me recompor rapidamente. Vesti minha roupa às pressas e saí dali morto de vergonha. Foi horrível! Fugi de mim e nem consegui dar o numero do meu telefone.
Agora, é outra noite e também estou só. Queria me encontrar novamente, mas tenho medo de ser descoberto e receio do que eu possa estar pensando sobre mim.

CASAL DE NAMORADOS

Risos sem piada. Isto porque é amor, não precisa de mais nada. Por isso, passam sorridentes, de mãos dadas, alheios ao resto do mundo, cegos com os olhares de fogo vermelho e brando que aquecem e refrigeram o corpo, o coração, a alma...
E eu aqui morno. Que inveja!

SEXO

Desculpa, mas é que eu só penso nisso.

AMOR DE VERÃO

Ai! Quando sinto teu calor sobre minha pele, meus pêlos se eriçam como em resposta ao fogo que brota desde o teu interior.
Ai! Transpiro, tenho sede, perco o fôlego... sem timidez na hora exata em que te pões precisamente em cima da minha cabeça, que esquenta e ferve na tua proporção.
Ai! Meu rosto enrubresce frente à luz que irradia teu olhar de esplendor que me excita e me faz ansiar sempre mais dessa cor que em mim fica, revelando a saúde que tens para dar.
Ai! Vás embora, contudo, porque tua marca me deixas sempre, todos podem perceber que contigo eu estivera e invejam a mim.
Ai! Sol, eu te amo por todos os gozos, momentos inesquecíveis, que graças a ti vivi.

O Amanhã

O salão está escuro; os refletores todos apagados. Eu tenho medo. Que medo! A psicanálise deve saber o porquê. Eu, contudo, não sei de quase nada - ainda que desconfie de muita coisa.
O Tempo ou o seu Senhor, aí varia de acordo com sua crença, é quem vai acender as luzes: uma a uma... revelando os mistérios abrigados nesse galpão de emoções boas e más que não necessariamente estão bem dosadas.
E, antes que pense, dou logo um aviso: “Nada de previsões!”
Está escuro, peste. Qualquer menino já sabe que no breu não adianta enxergar bem e que os morcegos têm a audição como o seu sentido mais apurado.
Façamos silêncio. Senão eles podem nos ouvir...
Carpe Diem! Só não se esqueça que pode haver um buraco logo ali. Por isso mesmo: Carpe Diem!

Coisas dos EUA

O ano de 2009 mal começou e os norte-americanos já têm uma história no mínimo inusitada para contar. Isto porque toda a população de Santa Clara, um dos principais municípios localizados na região do Corn Belt, simplesmente desapareceu.
Casas, ruas, praças, plantações... todas as dependências dessa cidade interiorana dos Estados Unidos foram encontradas abandonadas e sem nenhum vestígio que pudesse revelar para onde se deslocou os seus 27683 habitantes.
O detetive Charles Mac Coie, responsável pelo distrito de Riveberg, foi o primeiro a visitar a cidade após o misterioso acontecimento e, tão logo percebera o ocorrido, acionou a CIA ainda na manhã do dia 2 de janeiro deste ano a fim de que houvesse o esclarecimento do caso. Em entrevista a um veículo informativo local, Mac Coie declarou que se sentiu apavorado quando chegou à cidade e encontrou suas construções intactas, porém sem ninguém. O detetive disse ainda ter se imaginado num filme de terror, tamanha a estranheza que o ambiente lhe proporcionara.
O governo mantém as investigações no local e não estipulou um prazo para a apresentação da solução desse mistério. Por outro lado, milhares de pessoas do mundo todo declaram saber o que realmente aconteceu em Santa Clara.
Grupos religiosos locais afirmam que a população sofreu uma espécie de arrebatamento e que este episódio se repetirá mais vezes por todo o globo até que chegue o dia do Juízo Final. A seita X-E, que acredita na existência de extraterrestres, relacionou o fato ao cumprimento de uma profecia milenar a qual anunciava a abdução de uma comunidade inteira por uma nave espacial a fim de que a espécie humana fosse introduzida num novo planeta e nele fizesse morada a partir de então. Integrantes da extrema direita ocidental acusam organizações terroristas, alegando que foi utilizada uma nova arma de destruição em massa e que, se essa não for urgentemente capturada, a humanidade corre o risco de desaparecer para sempre. Os adeptos às teorias da conspiração alertam comunicando que esse acontecimento trata-se da primeira manobra do Barac Obama como presidente dos EUA para solucionar a crise, visto que um episódio tão sensacionalista desvia o foco das tensões e permite ao governo um maior número de manobras políticas radicais. O presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, em recente declaração extra-oficial disse acreditar que o sumiço das pessoas possui ligação com o embargo dos Estados Unidos ao etanol brasileiro o qual, segundo ele, é bem melhor por ser proveniente da cana e não do milho, como é o caso do americano.
Fugindo da linha “Scoobdoob-doo”, o papa Bento XVI leu na praça de São Pedro uma carta de consolo aos familiares e amigos que estão sofrendo com o desaparecimento de seus entes queridos e solicitou que todos acreditem num milagre, pois fé e amor são a chave para a resolução de todos os problemas.
Expeculações a parte, os quase 30000 habitantes de Santa Clara continuam desaparecidos e sem previsão de regresso. Sabendo-se que os Estados Unidos da América é a terra da liberdade e o único lugar do mundo onde tudo pode acontecer, o melhor a ser feito é aguardar os próximos capítulos e o desfecho dessa história.