CABE A NÓS URINAR

Sentado, quieto, observando ora o castelo de areia, ora a imensidão do mar negro difundido com o horizonte, ouvi uns cochichos que me despertaram a atenção naquela noite de Avenida Atlântica engarrafada. Nem em sonho imaginara presenciar uma cena daquelas. E quem pode na vida prever alguma coisa?
Era do tipo “figurão”. Trajava uma roupa de estilo alternativo, uma boina cinza de crochê e os olhos estavam escondidos por trás dos óculos escuros de modelo Uruguaiana. Falava alto, com poucos pudores e tinha um amigo (mero coadjuvante frente ao brilho inovador que reluzia do rapaz em questão).
“Motô, abre a porta! É por favor...”
O “não”, assim dito simples e conciso, nunca foi resposta persuasiva para qualquer homem que, verdadeiramente, anseia algo emergencial. Todavia, o motorista, o cobrador, o senhor responsável pela logística do transporte metroviário carioca... todos estes desconhecem essa teoria. Firmaram no “não”. E o jovem, cada vez mais nervoso e contorcido, resolveu inovar.
“Se não me deixar sair, vai ser aqui mesmo.” Alertou o mancebo estiloso já se deslocando a um local estratégico perto da porta do veículo. Foi quando, então, o cobrador exaltou-se, ameaçando, inclusive, o rapaz de prisão. Contudo, este o ignorou.“Licença! Licencinha... Não quero envergonhar ninguém. Por favor, senhoras, fechem os olhos. É só uma questão de necessidade.” E urinou.
Na estação terminal, uns seguranças previamente avisados por um dos funcionários do metrô que estavam trabalhando no ônibus abordaram o ilustre cidadão de modo enérgico, conduzindo-o, em seguida, a uma sala especial. Com o fim da parte pública (lê-se visível a todos) dessa história, pus-me a fazer uma breve análise de toda a situação.
A princípio, questionei a mim mesmo se o homem estava errado com aquela atitude. Tão logo, conclui que não. Não mesmo! Senhores, o preço pago pelo ingresso dos transportes públicos em nossa cidade é inadmissível. O valor cobrado deveria nos garantir não só banheiros, mas também reservados bastante perfumados e com música clássica de fundo sonoro. Entretanto, como é de conhecimento geral, o descaso das autoridades para com a triste realidade dos milhares de estudantes, trabalhadores e aposentados, os quais utilizam todos os dias o ineficiente sistema de transportes fluminense, é responsável pela precariedade da logística populacional de nossa cidade a qual, por sua vez, gera uma série de outros problemas urbanos.
Com as viagens diárias “casa-faculdade-casa” tenho escutado diversas reclamações e percebido que as mesmas possuem total fundamento. Só na minha primeira semana de aula, enfrentei um atraso de quase cinquenta minutos na Estação Terminal Dom Pedro II, um trem que incendiou enquanto circulava, carros do metrô absurdamente lotados e com um sistema de refrigeração de ar insuficiente, engarrafamentos intermináveis e assisti, ainda, ao excelentíssimo prefeito falar sobre a sua política de ordenar o Rio.
O famoso “seria cômico se não fosse trágico” do brilhante Nelson Rodrigues ilustra categoricamente a posição da prefeitura carioca frente ao seu mais novo bordão “Choque de ordem”. Isso porque, remover trabalhadores informais, mendigos e mesas de bares das ruas e praças da cidade não combate às raízes da macrocefalia urbana a qual temos nos submetido. Os problemas do Rio de Janeiro são muito sérios e jamais serão resolvidos com medidas elitistas de embelezamento social. Se o governo estivesse verdadeiramente empenhado na geração de empregos, no desenvolvimento de uma infra-estrutura de transportes eficaz e a um preço acessível, na promoção de uma educação de base digna, no tratamento adequado da rede hospitalar... enfim, em todos aqueles clichês, que qualquer pessoa com um mínimo de consciência tem noção, a ordem se daria de forma gradual e permanente.
A nós, resta, pois, o direito de protestar. Aquele homem que não se conteve diante de uma resposta incapaz de solucionar o seu problema deve ser tomado como exemplo. Excretemos toda a nossa uréia! É preciso mostrar aos governantes que mesmo sofrendo tantas mazelas diárias, ainda estamos vivos e plenamente aptos para cobrar por nossos direitos.

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