Ei, você!

Estou a sua procura.
Deixei tudo muito bem subentendido, mas você parece que não entendeu.
Fico, então, tão sozinho, perdido em devaneios...
Ponho sua cabeça em meu peito, eu deitado no seu leito macio, quente e apertado.
Seu cheiro: Melhor que tudo! Prefiro, ainda mais, como se isto fosse possível, quando ele se mistura ao meu.
E o lóbulo da sua orelha, que de nada serve senão pra sentir minha língua, meu sussurro safado de provocação... como pode resistir?
Venha logo. Venha. Já não suporto mais esperar, não saber onde você está...
Só quero você. E, nada mais.

CABE A NÓS URINAR

Sentado, quieto, observando ora o castelo de areia, ora a imensidão do mar negro difundido com o horizonte, ouvi uns cochichos que me despertaram a atenção naquela noite de Avenida Atlântica engarrafada. Nem em sonho imaginara presenciar uma cena daquelas. E quem pode na vida prever alguma coisa?
Era do tipo “figurão”. Trajava uma roupa de estilo alternativo, uma boina cinza de crochê e os olhos estavam escondidos por trás dos óculos escuros de modelo Uruguaiana. Falava alto, com poucos pudores e tinha um amigo (mero coadjuvante frente ao brilho inovador que reluzia do rapaz em questão).
“Motô, abre a porta! É por favor...”
O “não”, assim dito simples e conciso, nunca foi resposta persuasiva para qualquer homem que, verdadeiramente, anseia algo emergencial. Todavia, o motorista, o cobrador, o senhor responsável pela logística do transporte metroviário carioca... todos estes desconhecem essa teoria. Firmaram no “não”. E o jovem, cada vez mais nervoso e contorcido, resolveu inovar.
“Se não me deixar sair, vai ser aqui mesmo.” Alertou o mancebo estiloso já se deslocando a um local estratégico perto da porta do veículo. Foi quando, então, o cobrador exaltou-se, ameaçando, inclusive, o rapaz de prisão. Contudo, este o ignorou.“Licença! Licencinha... Não quero envergonhar ninguém. Por favor, senhoras, fechem os olhos. É só uma questão de necessidade.” E urinou.
Na estação terminal, uns seguranças previamente avisados por um dos funcionários do metrô que estavam trabalhando no ônibus abordaram o ilustre cidadão de modo enérgico, conduzindo-o, em seguida, a uma sala especial. Com o fim da parte pública (lê-se visível a todos) dessa história, pus-me a fazer uma breve análise de toda a situação.
A princípio, questionei a mim mesmo se o homem estava errado com aquela atitude. Tão logo, conclui que não. Não mesmo! Senhores, o preço pago pelo ingresso dos transportes públicos em nossa cidade é inadmissível. O valor cobrado deveria nos garantir não só banheiros, mas também reservados bastante perfumados e com música clássica de fundo sonoro. Entretanto, como é de conhecimento geral, o descaso das autoridades para com a triste realidade dos milhares de estudantes, trabalhadores e aposentados, os quais utilizam todos os dias o ineficiente sistema de transportes fluminense, é responsável pela precariedade da logística populacional de nossa cidade a qual, por sua vez, gera uma série de outros problemas urbanos.
Com as viagens diárias “casa-faculdade-casa” tenho escutado diversas reclamações e percebido que as mesmas possuem total fundamento. Só na minha primeira semana de aula, enfrentei um atraso de quase cinquenta minutos na Estação Terminal Dom Pedro II, um trem que incendiou enquanto circulava, carros do metrô absurdamente lotados e com um sistema de refrigeração de ar insuficiente, engarrafamentos intermináveis e assisti, ainda, ao excelentíssimo prefeito falar sobre a sua política de ordenar o Rio.
O famoso “seria cômico se não fosse trágico” do brilhante Nelson Rodrigues ilustra categoricamente a posição da prefeitura carioca frente ao seu mais novo bordão “Choque de ordem”. Isso porque, remover trabalhadores informais, mendigos e mesas de bares das ruas e praças da cidade não combate às raízes da macrocefalia urbana a qual temos nos submetido. Os problemas do Rio de Janeiro são muito sérios e jamais serão resolvidos com medidas elitistas de embelezamento social. Se o governo estivesse verdadeiramente empenhado na geração de empregos, no desenvolvimento de uma infra-estrutura de transportes eficaz e a um preço acessível, na promoção de uma educação de base digna, no tratamento adequado da rede hospitalar... enfim, em todos aqueles clichês, que qualquer pessoa com um mínimo de consciência tem noção, a ordem se daria de forma gradual e permanente.
A nós, resta, pois, o direito de protestar. Aquele homem que não se conteve diante de uma resposta incapaz de solucionar o seu problema deve ser tomado como exemplo. Excretemos toda a nossa uréia! É preciso mostrar aos governantes que mesmo sofrendo tantas mazelas diárias, ainda estamos vivos e plenamente aptos para cobrar por nossos direitos.

SERÁ?

Estou espantosamente surpreso. O mais ogro dos seres mostrou-se capaz de formular uma sentença dotada de grande sabedoria.
Estaria guardada com um desses a resposta-solução de todas a minhas indagações?

O senhor e o vendedor

- Lá vem ele...
- Tum! Tem um velho dormindo e babando. Tum! Tem criança de colo chorando. Tum! Tem moça bonita estudando. Tum! Tem dez mentos por apenas um real.
- Isso é um absurdo! Um disparate...
- Tum! Tem gente reclamando. Tum! Tem o trem quente sempre esquentando. Tum! Tem o maquinista as estações anunciando. Tum! Tem dez chicletes sortidos da mentos por apenas um real.
- Deverias vender laranja! Doce é prejudicial à saúde. Dá diabetes, gastrite, ataca o fígado, enche as crianças de cáries. E, laranja não! Laranja é a fruta mais refrescante, faz bem ao organismo. Ela revigora o intestino, combate os radicais livres...
- Tum! Ele quer laranja ninja. Tum! Mas eu não tenho nem a lima. Tum! Laranja é alimento perecível, senhor. Ela estraga muito fácil com esse calor... Tum!
- Eu prefiro uma laranja quente a uma goma que agarra na dentadura.
- Tum! O senhor assumiu que não tem mais dente. Tum! Daqui a pouco vai botar a culpa no presidente. Tum! Eu vim aqui pra vender mentos e é dez por um real.
- Brizola?! Aquilo era um velho safado! Ainda diziam que ele gostava das criancinhas... Povo burro.
- Tum! “Lá, lá, lá Brizola é um boiola!” Tum! Tem gente contente sorrindo. Tum! Tem gente que ainda está dormindo. Tum! A moça bonita até parou de estudar. Tum! Dez chicletes sortidos da mentos por apenas um real.
E o maquinista:
- Próxima estação terminal Central do Brasil. Desembarquem por ambos os lados.
- Tum!

Descobriram meu segredo

Tal como os filmes de Hollyood os quais, dentre os milhares, apresentam somente umas dez histórias distintas, os meus escritos, no fundo bem profundo, são todos semelhantes. Entretanto, não me envergonho disso, porquanto assim sou eu: um misto exagerado de sentimentos e ações responsáveis por abrigar em seu âmago um singelo menino falante que mal aprendeu a andar e não tem, pois, a pretensão de impressionar.

Um sonho americano

Ele era um pobre menino rico e sabia bem disso. Há anos deixara o conforto de sua suntuosa casa graças aos desentendimentos que vinha tendo com sua progenitora, a qual, segundo ele, nunca o amou nem o aceitou de fato. Ao sair, levara consigo uns trocados que pouco duraram e logo, então, teve de pedir esmolas.
Certa vez, em frente ao consulado americano, o menino lá estava estirado ao chão rogando aos pedestres o pão daquele dia. Foi aí, quando de repente ele viu um homem e duas mulheres, todos bem arrumados, conversando em um português muito mal falado devido ao sotaque estrangeiro, adentrando ao prédio do consulado. Nesse instante, como num momento de epifania, o garoto decidiu mudar de vida. A cena que assistira lhe comovera ao ponto dele querer voltar pra casa. E assim o fez.
Chegando ao lar, reconciliou-se com a mãe. Ainda que não por sinceridade, pediu desculpas. Fizeram as pazes e o garoto voltou a estudar. Era o inglês a sua matéria preferia. Tal preferência justificava-se plenamente devido aos planos ocultos que ele tinha.
Passado um ano, tamanho fora seu empenho, ele já estava fluente na língua universal do ocidente. Retornou, pois, ao consulado a fim de realizar seu verdadeiro objetivo, o qual, a cada dia, tornava-se um sonho mais forte. Pediu licença. Dessa vez, cheiroso e bem vestido, ele pode entrar. Procurou a miúdo o homem que vira fazia um ano e logo o encontrou sentado no fundo da sala. Sem pudor, o menino o chamou. Curioso, o rapaz foi prontamente atendê-lo. Em poucas palavras, o garoto tirou do bolso uma carta e entregou ao americano. Nos escritos, dentre outras palavras a esmo, havia um convite para jantar.

MACONHA

- Nossa! Você não fuma?
- Não...
- Bem-vindo ao clube dos socialmente excluídos.

BELEZA IDEALIZADA

Existem pessoas dotadas de uma beleza indescritível. São bonitas mesmo! Meu sonho, desde a meninice, fora encontrar uma mulher assim pra mim. Não que, ainda enquanto moleque, eu já sofresse de devaneios sexuais, mas é que a beleza física humana alheia sempre me trouxe vigor, entusiasmo... uma excitação, a qual é distinta da provocada pela libido e que eu jamais saberia explicar claramente. Por isso, em minhas preces infantis, rogava a Deus, solicitando uma linda fêmea quando chegasse à madura idade para pendurá-la na parede do meu quarto a fim de admirá-la deitado sozinho na cama por todas as noites. Contudo, o bom Senhor me presenteou com a Jorilma.
Estava num bar e o sol se pusera tinha pouco quando aquela morena chegou reclamando de dor nos pés. Sem pudores, contou sobre o seu joanete, dizendo que ele muito a irritava. Tirou os sapatos, lançou-os num canto e foi logo dançar. Igual a qualquer boa mulata, ela sambava como ninguém. Remexia as cadeiras e jogava os braços ao ar com uma delicadeza toda hora interrompida frente à imobilidade de suas madeixas, as quais se assemelhavam bastante a palhas de vassoura velha.
Não bebo, ou melhor, nunca bebi. Desse modo, não podia culpar a cerveja por ter aceitado o convite daquela mulher para bailar uns passos de forró. A música tocava, dançávamos e conversávamos. Entre os um-pra-cá-e-dois-pra-lá, ela me disse sua graça: Jorilma! Levei um tempo para estar convicto de que ouvira certo. Afinal, não é sempre que se encontra alguém com uma palavra designativa de identidade tão feia. E, por estar com o rosto colado nos seus fiapos ressecados, não hesitei em perguntar o porquê daquele nome. Ela explicou que fora idéia de uma avó caduca a qual, inclusive, morrera antes do seu nascimento. A enunciação era, de acordo com a velha, uma forma de homenagear o Jorge e a Ilma, pais da menina-mulher em questão.
Mal a música acabara, eu, gentilmente, disse que estava cansado e que iria me sentar. Mal acabara de falar, ela contou que me faria companhia. Dessa vez, não tive como hesitar.
Sentamos à mesa e, só então, percebi o seu decote acentuado. Aliás, reparei além. Jorilma tinha um peito maior que o outro. Comenta-se que isso é comum entre as mulheres, entretanto não posso aceitar como normal uma deformidade daquele porte. Na minha inocente visão, cabiam dois e meio do peito menor em um do maior. Sem saber como me expressar diante da situação, eu lhe ofereci uns amendoins os quais já estavam sobre a mesa,visto que se trata do meu salgadinho preferido, e ela sorriu.
Aquilo não foi nada encantador. Os dentes acavalados pareciam querer saltar da boca para me devorar. Como se isso não bastasse, ela arregaçou a mandíbula e apontou com o indicador alguma coisa no fundo daquela boca escura que nem quis ver. Jorilma alegou não comer amendoins pro trauma, pois, outrora , ela quebrara um dente comendo um e o osso despedaçado, por sua vez, descera goela abaixo indo parar no pulmão. Com náuseas, pedi pra mudar de assunto. Jorilma, contudo, pediu pedras de gelo.
Ela esfregava o gelo por todo o corpo alegando sentir calores incontroláveis. Jorilma era quente, era o tipo da mulher que ardia em chamas. Confesso: não resisti e me lancei naquela fornalha.
Passado uns meses, nos casamos. Passaram-se anos e Jorilma não emprenhava. Levei minha mulher ao médico e o doutor concluiu que ela era infértil. Na minha inocente cabeça, entendi sua secura por causa do fogo que a consumia internamente. Optamos pela adoção.
No orfanato, escolhemos uma menina linda, detentora de uma beleza sem precedentes, para ser nossa filha. A garota tinha apenas três anos e adorava biscoitos de maisena. Por isso, Jorilma decidiu batizá-la de Miracema.
Miracema crescia e Jorilma envelhecia. Até que um dia, apresentando sinais de esclerose, Jorilma decidiu superar seu grande trauma e foi comer escondido um pacote inteiro dos meus adoráveis amendoins. Como se fosse uma sina, ela quebrou a dentadura, engoliu partes do objeto que foram, por sua vez, direto pro pulmão. Por estar velha, não aguentou e morreu.
Contudo, o bom Senhor me presenteou com a Miracema.
Depois de viúvo e Miracema já moça, dei por mim que a idealização de criança estava a se cumprir. Minha filha era a mulher dos meus sonhos! Pendurei-a na parede do quarto e agora a admiro deitado sozinho na cama por todas as noites.