BELEZA IDEALIZADA

Existem pessoas dotadas de uma beleza indescritível. São bonitas mesmo! Meu sonho, desde a meninice, fora encontrar uma mulher assim pra mim. Não que, ainda enquanto moleque, eu já sofresse de devaneios sexuais, mas é que a beleza física humana alheia sempre me trouxe vigor, entusiasmo... uma excitação, a qual é distinta da provocada pela libido e que eu jamais saberia explicar claramente. Por isso, em minhas preces infantis, rogava a Deus, solicitando uma linda fêmea quando chegasse à madura idade para pendurá-la na parede do meu quarto a fim de admirá-la deitado sozinho na cama por todas as noites. Contudo, o bom Senhor me presenteou com a Jorilma.
Estava num bar e o sol se pusera tinha pouco quando aquela morena chegou reclamando de dor nos pés. Sem pudores, contou sobre o seu joanete, dizendo que ele muito a irritava. Tirou os sapatos, lançou-os num canto e foi logo dançar. Igual a qualquer boa mulata, ela sambava como ninguém. Remexia as cadeiras e jogava os braços ao ar com uma delicadeza toda hora interrompida frente à imobilidade de suas madeixas, as quais se assemelhavam bastante a palhas de vassoura velha.
Não bebo, ou melhor, nunca bebi. Desse modo, não podia culpar a cerveja por ter aceitado o convite daquela mulher para bailar uns passos de forró. A música tocava, dançávamos e conversávamos. Entre os um-pra-cá-e-dois-pra-lá, ela me disse sua graça: Jorilma! Levei um tempo para estar convicto de que ouvira certo. Afinal, não é sempre que se encontra alguém com uma palavra designativa de identidade tão feia. E, por estar com o rosto colado nos seus fiapos ressecados, não hesitei em perguntar o porquê daquele nome. Ela explicou que fora idéia de uma avó caduca a qual, inclusive, morrera antes do seu nascimento. A enunciação era, de acordo com a velha, uma forma de homenagear o Jorge e a Ilma, pais da menina-mulher em questão.
Mal a música acabara, eu, gentilmente, disse que estava cansado e que iria me sentar. Mal acabara de falar, ela contou que me faria companhia. Dessa vez, não tive como hesitar.
Sentamos à mesa e, só então, percebi o seu decote acentuado. Aliás, reparei além. Jorilma tinha um peito maior que o outro. Comenta-se que isso é comum entre as mulheres, entretanto não posso aceitar como normal uma deformidade daquele porte. Na minha inocente visão, cabiam dois e meio do peito menor em um do maior. Sem saber como me expressar diante da situação, eu lhe ofereci uns amendoins os quais já estavam sobre a mesa,visto que se trata do meu salgadinho preferido, e ela sorriu.
Aquilo não foi nada encantador. Os dentes acavalados pareciam querer saltar da boca para me devorar. Como se isso não bastasse, ela arregaçou a mandíbula e apontou com o indicador alguma coisa no fundo daquela boca escura que nem quis ver. Jorilma alegou não comer amendoins pro trauma, pois, outrora , ela quebrara um dente comendo um e o osso despedaçado, por sua vez, descera goela abaixo indo parar no pulmão. Com náuseas, pedi pra mudar de assunto. Jorilma, contudo, pediu pedras de gelo.
Ela esfregava o gelo por todo o corpo alegando sentir calores incontroláveis. Jorilma era quente, era o tipo da mulher que ardia em chamas. Confesso: não resisti e me lancei naquela fornalha.
Passado uns meses, nos casamos. Passaram-se anos e Jorilma não emprenhava. Levei minha mulher ao médico e o doutor concluiu que ela era infértil. Na minha inocente cabeça, entendi sua secura por causa do fogo que a consumia internamente. Optamos pela adoção.
No orfanato, escolhemos uma menina linda, detentora de uma beleza sem precedentes, para ser nossa filha. A garota tinha apenas três anos e adorava biscoitos de maisena. Por isso, Jorilma decidiu batizá-la de Miracema.
Miracema crescia e Jorilma envelhecia. Até que um dia, apresentando sinais de esclerose, Jorilma decidiu superar seu grande trauma e foi comer escondido um pacote inteiro dos meus adoráveis amendoins. Como se fosse uma sina, ela quebrou a dentadura, engoliu partes do objeto que foram, por sua vez, direto pro pulmão. Por estar velha, não aguentou e morreu.
Contudo, o bom Senhor me presenteou com a Miracema.
Depois de viúvo e Miracema já moça, dei por mim que a idealização de criança estava a se cumprir. Minha filha era a mulher dos meus sonhos! Pendurei-a na parede do quarto e agora a admiro deitado sozinho na cama por todas as noites.

1 comentários:

Ayla disse...

Esse texto é realmente lindo! E não estou debochando ou qualquer coisa semelhante, antes que me pergunte!

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